Recebi o livro Paradigmas Definitivos da Tarja Editorial em junho como parte de um projeto do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). Trata-se de um livro de contos que, pelo que entendi, compila os melhores contos da série Paradigmas da mesma editora. A resenha ficou engavetada esperando para vermos como seria publicada, mas veio a votação do prêmio Argos, veio o Fantasticon, chegou Outubro... Então resolvi postar.
O livro traz 23 contos de estilo e qualidade variados. No geral gostei do que li, mas, como em toda coletânea de contos, achei alguns contos fracos e outros meio destoantes em relação ao resto. A maior fraqueza pode ter sido exatamente o número de contos no livro, pois alguns contos pareceram curtos demais para o tamanho das histórias que contam.
São contos de ficção fantástica (apesar de um ou outro poder ser apenas loucura do protagonista e pelo menos um em que não há nada de fantástico). Antes de cada conto há um texto breve onde o autor fala com o leitor. Achei a ideia bem interessante, mas talvez fosse melhor se tivesse seguido um padrão. No formato que ficou cada autor falou o que quis, sendo que alguns fazem uma sinopse do livro, outros falando da inspiração do mesmo, etc.
O primeiro conte é Sinfonia para Narciso, de Cristina Lasaitis. Ela acompanha um famoso compositor e pianista clássico chamado Alberto Weischel. Ele é um verdadeiro gênio e sabe disso. Um dia se apaixona pela sua própria criação. É um conto muito bom que me fez lembrou de Cisne Negro.
Uma Flor a Gambô, do também editor da antologia Richard Diegues é (segundo o autor) uma história de ficção científica cyberpunk, mas que (como o próprio afirma) não parece. Confesso que achei a história confusa, talvez pelo pouco número de páginas. Coisas demais acontecendo somado à mudança de ponto de vista frequente em apenas 7 páginas fez com que algo que poderia ser muito bom ficasse confuso e (ao menos na primeira leitura) um pouco sem nexo.
Eu já tinha lido parte de Moleque, escrito por Alliah, algumas semanas antes. O conto foi disponibilizado online para promover o livro de contos da autora chamado Metanfetaedro. Há quem chame o conto de New Weird. Eu diria que está mais para o surrealista. É a história de Mogul, um menino de rua que mora com a sereia Iara em uma cidade no mínimo bizarra. Em paralelo aparece a história de Marmelo, outro menino que vive uma vida brutal com uma família bárbara. O conto tem cenas muito interessantes que foge da fantasia padrão, mas me deu a impressão de explorar ao extremo a violência e o gore para horrorizar o leitor. Ela termina ao meu ver de forma abrupta, sem nada dizer. Ou talvez a intenção fosse exatamente o de uma história bizarra que mostra a violência exacerbada do mundo.
Jacques Barcia contribui com Vento, Seu Fôlego. O Mundo, Seu Coração. É uma história bem interessante por ser uma romantização fantasiosa muitíssimo inspirada na mitologia indiana. Puxa algo das teorias dos deuses astronautas na forma de deuses usando armas e veículos tecnológicos em sua guerra divina. É uma ideia muito boa com um cenário muito legal. A narrativa em si foge do padrão indo um pouco para o poético, o que pode desagradar alguns ou pelo menos fazer o leitor dar uma parada para recompor os pensamentos. De qualquer forma, recomendado.
O conto Kandahar do finado Saint-Clair Stockler começa com uma ideia espetacular que me fez ficar empolgado em ler o conto (e depois escrever algo seguindo mesmo estilo). A história é narrada pelo gato Kandahar e mostra uma das ideias mais fantásticas que eu já vi de “sexto sentido”. Infelizmente na sequência esse sentido que eu esperava ser tão central a história praticamente é esquecido. De qualquer forma, é uma boa história, mas fiquei um pouco desapontado por não ter explorado mais a premissa inicial.
Em Berço Esplêndido, de Camila Fernandes, é um conto curioso. Intercala uma explicação enciclopédica sobre uma cidade do interior e o característico Morro do Buffet com os pensamentos de alguém que só é revelado ao final do conto. É uma boa ideia transformada em um bom conto.
O Diamante Laranja, de Adriana Rodrigues, é outro dos contos que pareceu sofrer com o tamanho. Lídia Harvey é uma ilusionista (no sentido mundano da palavra) em um mundo onde quase todos têm poderes mágicos. Ela ganha a vida fazendo shows onde a platéia de feiticeiros tenta adivinhar seus truques não-mágicos. Ela acaba sendo envolvida em uma operação policial para capturar o ladrão de uma joia raríssima. O conto é muito bom até chegar perto do final, quanto tudo se resolve rápido demais. É uma história que merecia muito ser mais longa e mais desenvolvida.
O conto Reminiscências de um Mundo Verde do autor Ronaldo Luiz Souza é... curioso. É curtíssimo, narrado em primeira pessoa, e gira em torno de uma mensagem ecológica. É vago, nada me pareceu acontecer de verdade e o personagem me pareceu só um maluco qualquer. Esse foi provavelmente o conto mais fraco do livro.
O Fazedor de Terra, de Ubiratan Peleteiro é um conto muito bom de fantasia que também merecia mais espaço. Mas, no caso dele não para desenvolver a história, que cabe toda no espaço do conto, mas para expandir a ideia desse mundo onde uma tribo de “homens-cabras” vive em uma montanha isolada e inóspita sob regras extremamente restritivas. Um dos melhores contos do livro. Espero que o autor volte a explorar esse mundo.
Efeitos Adversos é de Flávio Medeiros e conta a história de um cientista chamado Nory que começa a descobrir mudanças em seu corpo após um acidente em seu laboratório de pesquisas. É uma boa história de ficção científica que teria sido melhor se o Flávio não tivesse dito no comentário inicial “Leia este conto até o final e descubra a importância da perspectiva. Pronto, agora leia novamente.” Digo isso porque fiquei esperando algo muito especial, ao estilo Sexto Sentido, mas não havia. Isso acabou tornando a experiência para mim (que me toquei do que estava realmente acontecendo na metade do conto) um pouco menos legal, de certa forma como foi o caso com o conto do Saint-Clair.
O Pão Nosso de Cada Dia de M.D. Amado é o mais curto e mais... não sei o que dizer, sinceramente. Não me pareceu um conto. Me pareceu um pedaço de alguma coisa que não chega a ser nem uma cena completa. A “história” é narrada por um psicopata.
Ludmila Hashimoto escreveu O Mágico para essa antologia. Achei o conto confuso. Ele pula entre o ponto de vista do personagem título, um mendigo que na verdade tem poderes fantásticos como uma espécie de Mefistófiles de Fausto, e a adolescente meio inconsequente Isabel em sua vida mundana em São Paulo. Ao final da história as coisas se ligam de uma forma interessante, mas que poderia ter sido melhor. Não sei. Em especial a parte do Mágico ficou confusa e não tenho certeza se entendi mesmo o fechamento do conto. Boa ideia, aplicação esquisita.
Barquinhos de Papel e Outros Origamis de Sandro Côdax é a curtíssima história de um almirante traumatizado. O conto é tão curto que não posso dizer muito mais sem revelar tudo o que há. É um conto legal e que pode muito bem não ter nada de fantasia.
Confesso que dei uma rolada de olhos quando comecei a ler O Cavaleiro e o Senhor do Inverno do Gianpaolo Celli. Pensei “tinha que ter um conto de fantasia tradicional.” Fico feliz por ter me enganado. Sir Bedwin é um cavaleiro da Távola Redonda que se depara com uma princesa em busca de ajuda. O conto mistura história com lenda celta e arturiana e apresenta um final bem interessante. É outro conto que merecia mais espaço e mais desenvolvimento, pois certas coisas me pareceram meio corridas. Espero que o Gianpaolo volte a explorar esse trabalho com mais espaço.
O Cegonho de Alexandre Herédia é ótimo. É aquele tipo de conto que, quando você chega no final, sorri e diz “que legal”. Ele é todo um diálogo entre uma criança e sua mãe e, digamos assim, a versão da mãe sobre ‘de onde vem os bebês’. Não se engane por essa frase. É um conto de ficção fantástica que merece muito ser lido. Está entre os melhores contos do livro.
O conto seguinte também é muito bom. Doze Vidas de Leonardo Pezzella Vieira narra o dia na vida de um personagem diferente a cada mês em uma cidade fictícia. Coisas diferentes acontecem a cada mês. É muito legal e apresentando de uma forma diferente. Há quem possa dizer que não parece um conto, mas sim uma sequência de micro-contos. Não me importo com a definição. O resultado foi bem legal.
Lembra o que eu disse sobre minha primeira impressão com o conto do Gianpaolo? Ela se repetiu quando fui ler De Traição e de Sombras do Rober Pinheiro. Infelizmente nesse caso a sensação não foi embora na medida em que eu lia o conto. Me pareceu uma história genérica de fantasia medieval com lobisomens (apesar de não usar esse nome). Usa em excesso nomes forçados como Laycans e Lupus Gaurain e mistura nomes com significa em inglês como Liar e Fear que acabam dando uma impressão errada dos respectivos personagens. A narrativa me pareceu insossa e cheia de personagens que pareciam achar-se mais sérios do que realmente são. Apesar do foco na ação, foi o primeiro conto do livro em que eu infelizmente pulei trechos porque estava entediado enquanto lia.
A Tal Aranha-da-Lua de Carlos Abreu é um conto policial sobre um sujeito contratado para encontrar uma mulher desaparecida. Mais um conto com potencial que merecia mais desenvolvimento. Me pareceu apresentar situações iverossímeis e fechou de forma muito abrupta.
O Mendigo e o Dragão de Bruno Cobbi é outro daqueles que devia ser mais longo. A história se passa em uma metrópole numa espécie de pós-apocalipse que me fez lembrar do RPG Shadowrun. A história pula de ponto de vista mais de uma vez apesar das poucas páginas, o que acaba deixando tudo um pouco confuso. Legal, mas provavelmente só funcionaria com mais páginas para a história.
Pelo que li por aí, O Homem Bicorpóreo do Hugo Vera é um conto até famoso que recebeu prêmio. É um conto de ficção científica sobre uma cientista chamada Helena Corelli que é chamada para resolver um problema diplomático em uma colônia sulamericana em Marte. A história é bem interessante assim como o cenário e o desenrolar da história. Parece que o autor pretende explorar mais esse universo em outras obras, o que me parece que vale a pena.
De Vento e Pedra de Viviane Yamabuchi é uma história que me fez pensar em desenhos da Disney, provavelmente influência do vício da minha filha pelos desenhos da Sininho (ou Tinkerbell nessa época de nomes originais). É a história de uma fada chamada Aine que um dia encontra uma antiga estátua falante. Gostei bastante da história, que eventualmente perde seu ar Disney, mas me perdeu no final, quando fecha de forma desnecessariamente poética que fugiu do tom do resto do conto.
O último conto do livro é Queda de Osiris Reis. O que dizer sobre esse conto? Ele é... bizarro. E repetitivo. A história é narrada por Eómilos, uma espécie de superser ligado ao elemento do ar que, junto com seu amante Ígneo (obviamente o fogo) e outros companheiros que surgem posteriormente, lutam com hordas infindáveis de inimigos. A história é longa e gira toda em torno desses quase superheróis destroçando centenas (se não milhares) de inimigos sem personalidade enquanto Eómilos pensa na vida. Juro que tentei ler inteiro, mas me vi pulando parágrafos inteiros quando Eómilos ruminava os mesmos pensamentos e, em especial, quando o narrator enumerava coisas. Sério. Praticamente uma vez a cada página a história inclui alguma coisa sendo enumerada. “...feridas, cansaço, fome, sede.”; “...nos ouvidos, no rosto, pescoço, peito, costas, nádegas, virilha.”; “Três, nove, quinze, vinte e oito, trinta e quatro, cinquenta e três.”; “costas, axilas, braços, pernas, sexo.” E isso é só o que vi olhando rápido as primeiras páginas. Também tive a impressão de que o autor queria reforçar demais o fato de que os personagens estavam lutando nus, porque repetia isso com bastante frequência. É certamente o mais fraco dos contos deste livro.
No geral o livro vale a pena. Quem sabe até os contos que eu não gostei não funcionam com você?
Links
Clube de Leitores de Ficção Científica
Tarja Editorial Fantasticon Prêmio Argos
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