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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Resenha: Espadachim de Carvão

Sempre surge uma discussão sobre autores pop de fantasia. Normalmente os alvos da discussão são o Eduardo Spohr, o Raphael Draccon e a Carolina Munhoz. Bom, nunca li nenhum dos três para saber são bons ou não, e, de certa forma, foi o que me levou a comprar O Espadachim de Carvão esses dias numa ida à Livraria Cultura.

Algumas semanas atrás o Jovem Nerd fez um podcast com o tema Literatura Fantástica Brasileira, onde apareceram Leonel Caldela, Raphael Draccon, Eduardo Spohr, Affonso Solano e André Vianco. Bem antes de ouvir ao podcast ouvi e li muita reclamação sobre esse cast. Metade das pessoas reclamava porque eram todos homens, metade reclamava que eram todos pop. Lógico que no meio dessas discussões surgiram dedos acusando-os de serem mal escritores, que só estavam lá porque vendiam, porque eram famosos por outros meios antes de se lançarem como autores, etc.

Eu me abstive da discussão porque só tinha lido dois daqueles autores. Li Bento do André Vianco e li (ou melhor, tentei ler... 3 vezes) O Inimigo do Mundo do Leonel Caldela. Bento não é ruim, mas me soou como a coisa mais comercial do universo (um cara com espada, escudo e armadura de metal caçando vampiros na São Paulo contemporânea?). Já O Inimigo do Mundo foi uma das piores coisas que eu já tentei ler na vida. Mas como o Caldela já lançou alguns livros depois desse, imagino que tenha melhorado.

Mas isso aqui não é sobre eles, e sim sobre O Espadachim de Carvão!

Eu conheci (virtualmente) o Affonso Solano uns 4 anos atrás quando trabalhava na Hoplon. Participei de um podcast do Matando Robôs Gigantes falando do Taikodom e uns meses depois voltei em outro podcast sobre o jogo Mass Effect 2. Ambos os papos foram extremamente divertidos, mas foi isso. Depois de um tempo não tive mais contato com ele.

Resolvi ouvir o podcast de curiosidade não só sobre o que era dito, mas em particular para saber mais sobre o romance do Affonso. E uma coisa que ele disse atraiu minha atenção: que o livro era inspirado nas séries de livros-jogos Aventuras Fantásticas (Fighting Fantasy do inglês). Essa série foi um marco importantíssimo na minha vida e futura carreira como escritor e game designer. Ganhei o A Masmorra Infernal (edição portuguesa) quando tinha uns 10 anos de idade, e isso me levou tanto aos RPGs quanto à literatura fantástica. Fiquei com isso na cabeça.

Algumas semanas depois, na obrigatória xeretada pela sessão de Literatura Fantástica da Livraria Cultura do Market Place, encontrei o livro e resolvi levar. Coincidiu que tinha acabado de terminar O Homem Fragmentado do Tibor Moricz (resenhado aqui semana passada), então peguei-o para ler.

A primeira coisa a dizer é que realmente tive a sensação de estar com um daqueles antigos livros do Ian Livingstone e do Steve Jackson nas mãos. Somando à sensação estavam as ilustrações no topo de cada capítulo feitas pelo próprio autor (que é ilustrador profissional).

O livro narra a história de Adapak, o jovem filho de um deus que sabe a mais letal técnica de combate com espadas, mas nunca precisou empregá-las de verdade. Adapak acaba sendo forçado para fora do lar onde viveu toda a sua vida, para enfrentar o “mundo de verdade”. Adapak é jovem e inocente ao extremo, o que acaba funcionando muito bem na narrativa que apresenta o mundo ao leitor e ao protagonista ao mesmo tempo.

Começo dizendo que para um livro de estréia é um livro muito bom. Não quero menosprezar dizendo isso. A questão é que dá para sentir que o autor é cru em alguns momentos, em algumas descrições e ações, mas ainda assim superior a muita coisa produzida no Brasil ultimamente. Há momentos em que o eu-escritor quis dar uma de editor e sugerir alterações. Um leitor-leitor provavelmente não teria essas pausas.


No geral a história me fez pensar em um romance de fantasia infanto-juvenil. Provavelmente entraria na categoria dos Young Adults lá fora. Novamente isso não é demérito algum. Apenas uma constatação. O personagem é um jovem de uns 19 anos, mas age como tendo uns 15, o que faz sentido considerando como cresceu isolado do mundo. Cenas cômicas aparecem ao longo do livro usando um humor bem leve, em geral com foco nas situações inusitadas em que o garoto se mete. Mas também há muito sangue, membros decepados e ação fantástica.

No livro Affonso cria um mundo próprio com criaturas próprias, algumas que eu mesmo gostaria de ter criado. Esse mundo acaba gerando um estranhamento curioso, pois passa bem longe do padrão de fantasia dos elfos, orcs e anões (o que para mim conta muitos pontos), mas ainda parece buscar referências em outras partes. Nomes de entidades sumérias aparecem aqui e ali e eu aposto que a raça dos nekelmulianos foi inspirada nos aliens do filme Independence Day.

O livro termina meio corrido. Quando fica claro que o protagonista vai precisar fazer uma viagem longa você começa a pensar “ferrou, o livro vai acabar aqui e eu vou ter que esperar o próximo para saber o que acontece.” Se fosse o caso eu estaria xingando muito no twitter. Não é o caso, mas a solução para o problema, apesar de bem integrada à história, me soou como Deus Ex Machina. De qualquer forma não estragou a experiência.

O livro vale a pena, especialmente se você gosta de fantasia e está de saco cheio do padrão Tolkien - Dungeons & Dragons.

Links:
O Espadachim de Carvão
Matando Robôs Gigantes
Nerdcast 379 - Literatura Fantástica Brasileira
Deus Ex Machina

2 comentários:

  1. Finalmente uma resenha sem puxa-saquismo e sincera que me fez sentir vontade de dar uma olhada no livro.

    Li "A Batalha do Apocalipse" do Sporh e gostei bastante da experiência, apesar de não concordar com algumas estratégias narrativas que achei bem fracas (no sentido de construção de texto), foi uma boa experiência.

    O "Dragões de Éter" do Draccon eu comecei a ler, não achei ruim, mas não conseguir seguir adiante com a leitura, já o Iverno das Fadas, da Carolina Muñoz é chorume em papel, li exatamente 65 páginas e adorei deletar o .epub do meu ipad.

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  2. Faço minha a primeira frase do Rodrigo acima.
    Todas as resenhas que li sempre foram ou deslumbradas ou despeitadas, ou eram de amigos do cara. E fiquei meses naquela de "compro-ou-não-compro?". Meramente por ser ouvinte do podcast não era suficiente, e o universo em si não me atraiu tanto (sou mais Asimoviano do que RPGista), mas a sua resenha, mesmo sem falar nada demais, me deixou intrigado o suficiente. E olha que nunca nem tive um livro jogo.
    Vou comprar.

    E só seguindo o embalo do outro comentário, li o "Batalha" do Spohr também, e até que gostei do andamento meio 'filme do Highlander' dado. Não sei se foi essa a reclamação do Rodrigo. Os demais da série eu estou comprando, mas esperando fechar a trilogia para ler todos de uma vez. Tenho boas expectativas.

    Só não digo que volto aqui para dar a minha opinião depois porque ainda tenho muitos Asimovs e Frank Herberts na fila, e a curiosidade não chegou a tanto (talvez espere o próximo (?) livro, para ler num embalo só). Mas você já conseguiu um segundo leitor para o livro. :)

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