“Storytelling” é hoje o foco de muitas agências de publicidade no mundo. Não apenas se apresenta uma marca; conta-se uma história. É o caso da Pereira & O’Dell, premiada agência de publicidade de São Francisco (agora com escritórios em Nova Iorque e São Paulo) que criou campanhas como “The Beauty Inside” da Intel que esse ano (2013) ganhou um Emmy. A relevância disso? PJ Pereira, o diretor criativo e co-fundador dessa agência, lançou mês passado seu primeiro romance, Deuses de Dois Mundos - O Livro do Silêncio.
Não sei bem como enquadrar o livro para quem quer saber de bate e pronto. É fantasia, talvez fantasia urbana, mas não é. A história segue dois eixos: um jornalista paulista em 2001 e um adivinho iorubá no período mitológico africano. Por si só a ideia já me interessou. Gosto do tema de cultura africana, que inclusive é também a inspiração para um romance de fantasia que sairá pela Draco em 2014. Mas o foco do Livro do Silêncio é em contar uma versão da mitologia iorubá (mais conhecida no Brasil pelos orixás, jogos de búzios e mães de santo) e interligá-la a vida de um sujeito que até então nada tinha de interesse nessa religião.
Já aviso logo: sou primo do autor. Seis anos e muitos quilômetros nos separam. Quando eu tinha uns 14 anos, eles se mudou para São Paulo para seguir a carreira publicitária e, depois disso, para São Francisco. Nossa mais forte conexão sempre foi o gosto por desenhar (coisa que nem ele nem eu fazemos tanto quanto antes) e por contar histórias em mídias não tradicionais. Não, isso não quer dizer que eu só vou elogiar. Eu sou chato e acho que vocês já sabem disso.
Como era de se esperar considerando o histórico do autor, a narrativa do livro não é tradicional. Fora o prólogo e o epílogo, o livro intercala capítulos ímpares na forma de emails enviados pelo jornalista Newton Fernandes a um misterioso benfeitor com capítulos pares num estilo de contação de história, quase conto de fadas, quase inocente na sua estrutura.
No primeiro eixo da história temos Newton envolvendo-se primeiro em uma história de sabotagem industrial, jogos de poder e de influência. Em meio às investigações, o protagonista acaba se envolvendo com coisas que não compreende. É o que o motiva a enviar um email “a quem possa ajudá-lo a compreender o que está acontecendo”. É o primeiro capítulo do livro. A trama se desenrola, então, sempre na forma de um email de resposta de New para um benfeitor desconhecido apelidado de Laroiê. Este enigmático personagem que nunca realmente vemos no livro diz-se um entendido de assuntos esotéricos e pede para que New conte sua história.
Exatamente por não ser um formato tradicional esse eixo da história pode causar estranhamento. Gostei da ideia, mas é difícil não sentir um certo distanciamento do que está acontecendo. Isso já é um efeito comum em livros narrados em primeira pessoa, mas parece ainda maior aqui. Talvez seja a falta de sensação de urgência. Os perigos descritos obviamente foram resolvidos. É como ouvir um amigo contando uma história que aconteceu com ele. Pode ser empolgante, mas você sabe que no final das contas tudo acabou bem (o que nem sempre é o caso em um romance de ficção narrado em primeira pessoa)
Ao mesmo tempo, a trama em si, os eventos inesperados que New contam, acabam sendo tão interessantes que te fazem querer seguir para o próximo capítulo (ímpar) para saber como se segue.
Meu outro problema é que Newton soou como um cara muito escroto, um playboy metido, quase. Pelo que li nos agradecimentos, um dos leitores beta do livro o chamou de insuportável, o que levou o autor a modificá-lo. Acho que se mantém que, no fundo, era o que o PJ tinha em mente para o Newton.
O segundo eixo da história, contado nos capítulos pares, segue Orunmilá, um babalaô (homem sábio, adivinho) vivendo no período mitológico iorubá (o que seria a atual Nigéria). Ao descobrir que seus búzios não respondem mais as suas perguntas, Orunmilá envia seu jovem ajudante Exu (reconhece o nome?) para descobrir o problema. A resposta leva Orunmilá a partir em uma viagem para salvar o destino dos homens em algo que poderia remeter a muitas histórias de fantasia épica como a Sociedade do Anel e de filmes como Krull.
Assim como é o caso com os capítulos ímpares, esses vêm num formato diferente do usual (para hoje em dia). A narrativa é claramente inspirada na contação de histórias em torno de uma fogueira. O narrator pula entre personagens, passa apenas superficialmente aqui e ali, deixa um suspense para o leitor (ou ouvintes), que se revela mais tarde. Inclusive a história costura várias pequenas histórias do tipo que se ouve dos “mais velhos”, típicas do folclore.
O resultado disso é uma narrativa até certo ponto ingênua, cheia de situações impossíveis se resolvendo e decisões que parecem ser sem sentido. Isso acaba se costurando bem aos personagens, em grande parte arquétipos inspirados no que se fala sobre os orixás e o que representam na cultura iorubá. De novo deu para sentir que foi proposital.
Ao longo da história os dois eixos narrativos se misturam, deixando uma ponta para o segundo livro, anunciado para 2014. Note que o livro original foi considerado grande demais pela editora, de forma que ele foi reestruturado como uma trilogia. Enquanto a forma que foi publicado o livro tem início, meio e fim, eu particularmente senti que faltou um desfecho melhor para as “duas” histórias. Isso em especial porque eu não gosto de trilogias que são na verdade um livro gigante (como é também o caso do Senhor dos Anéis), mas também porque a meu ver algumas soluções no final do livro me pareceram meio jogadas lá, especialmente no eixo moderno, com o Newton.
Pessoalmente acho que o livro presta um grande serviço de mostrar o que é a cultura africana tão mal entendida no Brasil, onde muitos a reconhecem apenas como “macumba”. Pontos extras por ser fantasia, ter magia, mas ir para BEM longe dos já batidos elfos, fadas e dragões.
Resumindo? Se você está no espírito para ler um bom livro sobre um tema pouco explorado, mas num formato narrativo diferente, manda ver.
Links:
Site Agência Pereira & O’Dell
Oi adorei.. muito obrigado, amei a maneira que vc usou para descrever essa resenha...me fez se interessar pelo livro....mas vc já leu o livro reverso... se trata de um livro arrebatador...ele coloca em cheque os maiores dogmas religiosos de todos os tempos.....e ainda inverte de forma brutal as teorias cientificas usando dilemas fantásticos; Além de revelar verdades sobre Jesus jamais mencionados na história.....acesse o link da livraria cultura e digite reverso...a capa do livro é linda ela traz o universo em destaque.
ResponderExcluirwww.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?