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segunda-feira, 8 de julho de 2013

História vs. Gameplay

Para que ter um blog e não para expor meu ponto de vista certas vezes polêmico, né?

Mais uma conversa que já tive diversas vezes com gente da área de desenvolvimento de jogos e que já gerou muita discussão: todo jogo precisa ter uma história?

A discussão sobre gameplay (o que o jogador faz no jogo) vs. história é antiga e mundial. Em 2009 tive a oportunidade de ir à GDC (Game Developer’s Conference. Se você trabalha na área faça esse favor para você e vá pelo menos uma vez a este evento) e logo no primeiro dia, na primeira hora, sentei numa mesa redonda de escritores para jogos. Fui na cara dura mesmo, sentado de frente ao roteirista do Fable 2 e do Marvel Ultimate Alliance. A mesa foi chefiada pelo Richard Dansky que, além de ser o responsável pelas histórias dos jogos do Tom Clancy trabalhou anos com RPGs tradicionais como Vampire. A discussão sobre o que é mais importante (gameplay ou história) tomou metade da 1 hora da mesa e terminou com parte dela (o Dansky e eu nesse lado) concordando que não existe competição, pois ambos devem se completar.

Curiosamente existe um certo pé atrás de muita gente na indústria (e eu percebi mais disso no Brasil do que fora) com quem é game designer e gosta de história em jogos. Em mais de uma conversa sobre novos projetos (inclusive uma entrevista ou outra) surgiu a questão “mas você só faz jogo com história”?

Eis que vem o tema da minha discussão. Preparados?

Não existe jogo sem história.

Pausa dramática.

“Mas, oh Beraldo, vai me dizer que Space Invaders tem história?”

Tem e o título conta a história toda. Você não precisa saber mais nada porque o título e o gameplay são o suficiente. Assim que você entra no jogo e se percebe no comando de uma nave na parte de baixo da tela atirando contra “monstrinhos” (os Space Invaders do título) vindo em sua direção, você sabe tudo o que precisa saber sobre a história. E, às vezes, isso é tudo que é necessário.


Agora, você precisa entender que jogo não só é uma mídia visual como é uma mídia interativa. Isso significa que muito da história não só pode como deve ser passada através de imagem, som e ação. Já jogou Fallout 3? Já viu os cenários e como eles contam uma história sem que ninguém precise falar nada? Você entra em uma casa parcialmente destruída e encontra o esqueleto de um cara sentado na cadeira com uma escopeta no chão. Você chega às ruínas de uma cidade onde um maluco com um rifle fica no alto de um prédio cercado de minas e armadilhas. Tudo isso é história.

Eu conto uma história pelas roupas que o personagem usa ou pela forma com que ele fala. Eu conto a história pela música e pelos efeitos sonoros. Eu coloco um buraco enorme no chão soltando fumaça que causa dano radioativo e você sabe que alguma coisa caiu aí e o estrago foi grande.

Eu estou te contando uma história com cada um desses elementos.

Até quando eu coloco um monstro usando uniforme de policial sentado na privada em um jogo com história tosca como Duke Nukem eu estou contando uma história.

É por isso que é importante entender que essa história pode ser criada por um escritor ou game designer, mas ela é contada por toda a equipe que desenvolve o jogo.

A minha impressão é que, como no Brasil existe um foco muito grande em jogos casuais para mobiles, existe um pré-conceito de que não existe necessidade de história para esses jogos. Ano passado vi um jogo novo que infelizmente esqueci o nome e a desenvolvedora (apesar de que eu lembro que era uma empresa grande entrando na área dos mobiles) em que o jogador controlava um mini-alienígena bonitinho usando física para alcançar peças de sua nave destruída em cômodos de uma casa. O jogo nada mais era do que um mini-golf para iPhone, mas usava a história não só para compor o cenário como para justificar elementos de gameplay, como um amigo alienígena que o ajudava a saltar um obstáculo na pista e coisas do gênero. Se fosse só um mini-golf, duvido que tivesse chamado a atenção.

Bom, convenhamos, Angry Birds é a mesma coisa. O base do jogo já existia em uma centena de webgames antes dele. Adicione bichinhos legais com sons mais legais ainda, novo gameplay com justificativa no contexto (pássaros colocando ovos, por exemplo) e, pronto. Destaque e sucesso.


Mas, calma que tem mais. Poderíamos fica aqui o dia todo discutindo jogos e com certeza alguém jogaria o Tetris na discussão. Concordo contigo e vou ajustar minha colocação.

Não existe jogo sem contexto.

Todo jogo precisa ter um contexto, que pode ou não ser uma história. O contexto é o cimento que faz com que tudo em conjunto faça sentido. Ela direciona a arte e o gameplay, e , mais importante, responde algumas perguntas essenciais que vêm a mente de qualquer jogador quando ele perga um novo jogo:

Quem sou eu? O que eu devo fazer? Como eu posso fazê-lo?

Note que isso não quer dizer uma história no sentido clássico, e é agora que eu dou aquele loop estratégico para o início do texto e digo:

Não existe jogo sem história porque a experiência do jogador é a história mais importante em qualquer jogo.

Pausa dramática. Momento de contemplação.


Sim, porque você desenvolvedor de jogos está criando uma experiência. Não faz nenhuma diferença se o seu jogo é Angry Birds, World of Warcraft, Fallout 3, Tetris ou Heavy Rain. O que importa é a experiência que o jogador lembrará, que é o conjunto da obra. A revelação bombástica de um jogo com foco na história como Heavy Rain pode ser tão impactante quanto sua vitória contra um outro jogador apesar de ter pouco mais do que um fio de vida sobrando.

A história no sentido clássico do termo é importante até onde ela proporciona essa experiência através da imersão. E a imersão é atingida não só pela narração, os personagens, o cenário e a música, mas em especial pelo gameplay. Mais pessoas lembram da dificuldade em vencer um raid boss em WoW do que da dramática história narrada por um Quest Giver qualquer em uma janela cheia de texto.

Você não é um escritor. Você não é um diretor de cinema.

Você é um game designer.

As ferramentas disponíveis para você são infinitas! Use-as e crie uma experiência espetacular. E pare de discutir o que é mais importante em um jogo, história ou gameplay.

Pense na narrativa e me surpreenda.



Links:
Artigo sobre textos de quests no MMO WildStar

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