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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Resenha: Homens e Monstros - A Guerra Fria Vitoriana


Em setembro de 2013 aconteceu em São Paulo a Fantasticon, um evento que reúne fãs e criadores de obras (livros e quadrinhos em especial) de ficção científica, fantasia e terror. Mencionei em uma resenha anterior que fui em um dos dias do evento e saí de lá com vários livros. Agora é a vez de resenhar o romance de história alternativa (steampunk?) Homens e Monstros, do autor Flávio Medeiros Jr.


Conheci o Flávio na época em que estava para lançar meu primeiro livro, Véu da Verdade, através do Clube de Leitores de Ficção Cientifica (CLFC). Na época ele também estava lançando o seu primeiro romance, o cyberpunk Quintessência. Acabamos fazendo um acordo de cavalheiros e trocamos livros um com o outro, depois trocamos emails com o que achamos da obra um do outro. De lá pra cá encontrei o Flávio em vários eventos. Hoje quem faz parte das listas de ficção fantástica ou participa de eventos já conhece o Flávio, que sempre tem alguma história para contar.

Homens e Monstros é o terceiro livro do Flávio, o primeiro pela Editora Draco. É na verdade uma coletânea de seis contos longos amarrados pelo cenário (uma Guerra Fria fictícia entre o Império Britânico e a Grande France no final do século 19) e por alguns personagens que aparecem ou são mencionados em boa parte das histórias. A ideia no geral é história alternativa: devido a uma série de eventos, o final do século 19 chega com esses dois impérios dominando direta ou indiretamente todo o mundo. Assim como a verdadeira Guerra Fria entre EUA e URSS envolveu espionagem, assassinato, sabotagem e o financiamento de guerras, o mesmo se dá neste mundo. A grande diferença fica nos elementos de ficção fantástica. Flávio amarrou histórias, personagens e eventos de romances e contos vitorianos ao seu mundo, de forma que você encontrará referências à 20.000 Léguas Submarinas, A Ilha do Doutor Moreau, O Médico e o Monstro entre outras.

Em O som e o aroma da morte, os agentes da Grande France Axel Lindebrock (do romance Viagem ao Centro da Terra, de Jules Verne) e Maucler (também criado por Jules Verne) são enviados pelo chefe do Serviço Secreto francês Augustine Dupin (o detetive criado por Edgar Allan Poe) para encontrar o cientista , radicado na Confederação Argentina, que teria criado um artefato tecnológico poderosíssimo. É uma história de assassinato e espionagem que (pelo que eu entendi) se amarra a contos fantásticos argentinos do século 19.

Homens e Monstros é uma nova versão do romance O Médico e o Monstro, do escocês Robert Louis Stevenson. Confesso que lembro pouco da história original, mas me pareceu ser uma história bem próxima da versão original (em especial pelos personagens envolvidos), mas com um final diferente e elementos que a tornam bastante ligada a uma outra história do livro.

Máscaras é uma espécie de prólogo para A Ilha do Doutor Moreau. O sargento inglês Douglas Montgomery (uma versão do biólogo Montgomery do livro original) chega a um posto militar na Nigéria, onde acaba envolvido em uma missão de resgate subindo o Rio Níger até Serra Leoa. A aventura envolve diversos outros personagens  (pelo menos dois do romance Cinco semanas em um balão, de Verne) em uma trama cheia de reviravoltas (diria até cheia demais).


Em O lamento da águia o azteca (com ‘z’ mesmo) Itzcoatl está passando pelo ritual para se tornar um estimado membro da Ordem da água, a inteligência do Império Azteca, e acaba se envolvendo na investigação do desaparecimento do seu irmão gêmeo. No mundo deste livro, o Império Azteca jamais foi conquistado pelos espanhóis, e acabou aliando-se ao Império Britânico. Com esse apoio, hoje controla boa parte da América Central e do Sul, guerreando constantemente com “os ibéricos” (espanhóis e portugueses aliados à Grande France). Essa ligação aparece bem forte no livro, mostrando desde a influência da cultura britânica na cultura azteca até reflexos do que acontece na América do Sul no resto da história. Essa história se amarra ao Homens e Monstros.



Os primeiros aztecas na lua trás diversos personagens de volta, com direito a aparição do próprio Jules Verne e menção a seu “rival inglês”, H.G. Wells. É uma história de espionagem que brinca com várias histórias de ambos os autores. O protagonista é Edward Prendick, o inglês protagonista de A Ilha do Doutor Moreau que, ao retornar de sua experiência na ilha, acaba se tornando agente duplo para a Grande France (neste mundo, o Dr. Moreau é um francês que recebe apoio do Império Britânico para fazer pesquisas que a Grande France foi contra). A história é a mais fantástica do livro e ainda mistura fatos reais à trama. Acho que é o melhor dos contos do livro.

O último conto chama-se Por um fio. A história foi publicada anos atrás na coletânea Steampunk da Tarja Editorial. Li o conto na época, mas lembrava pouquíssimo. Parece que foi ajustado para fazer parte do mesmo mundo deste livro. O protagonista é o Capitão (Almirante no conto) Nemo, comandante da frota de submarinos da Grande France, e gira em torno de um encontro com seu rival americano, Robur, líder da esquadrilha de dirigíveis britânicos (ambos personagens de Jules Verne). É uma história lenta onde mais se pensa do que se faz. Achei a mais fraca do livro.

O livro é muito bom, em especial pela brincadeira que faz misturando personagens e fatos fictícios com história alternativa. Pessoalmente eu esperava que as histórias fossem mais amarradas umas às outras. No geral o que as liga é o cenário da Guerra Fria, o que obviamente faz todo sentido. Fora a menção de personagens aqui e ali, os únicos contos realmente ligados pela história são Homens e Monstros e O lamento da águia. O problema acaba sendo na ordem. Do jeito que ficaram os contos, o primeiro conto do livro já dá dois spoilers sobre o final de O lamento da águia. Além disso, algumas coisas acabam sendo repetidas ao longo das histórias de forma que (ao meu ver) fica desnecessário, como personagens recontando fatos.

Falando nisso, o único ponto fraco do livro é exatamente o excesso de “exposição”. Todos os contos tem pelo menos uma (geralmente duas, às vezes mais) momentos em que o protagonista narra eventos passados, expondo a história ou fatos por trás do enredo. Vez ou outra o mesmo é feito como se fossem dois personagens conversando, mas invariavelmente se torna um personagem explicando ao outro sobre um terceiro personagem. A sensação acaba sendo de uma travada no fluxo da leitura, quase como uma parede de texto que ficaria melhor apresentada ao longo da história ou, em alguns casos, como outro conto.

Outro comentário que vale mencionar é que, apesar dos contos serem todos escritos em primeira pessoa, pelo protagonista de cada história, alguns terminam com um trecho em terceira pessoa (marcado em itálico). No geral eu dispensaria esses finais, em especial o final de Homens e Monstros, que me pareceu enfiado ali para explicar algo que poderia ter sido deixado de lado, ou mesmo mencionado em outro conto. O formato em primeira pessoa funcionou muito bem como esta.

O livro Homens e Monstros - A Guerra Fria Vitoriana é um livro muito bom que vale para fãs de história alternativa, H.G. Wells e Jules Verne, steampunk e tantas outras obras e estilos.

Links:
Site do livro
Fantasticon
Jules Verne (wikipedia)
H.G. Wells (wikipedia)

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