Durante um bom tempo entre o fim de 2012 e o início de 2013 eu me envolvi bastante com financiamento coletivo, em especial pelo Kickstarter. Achei a ideia fantástica, especialmente porque via projetos das minhas três áreas favoritas (literatura, video games e RPGs) ganhando uma oportunidade que as publicadoras não queriam arriscar. Foi a época de jogos como Shadowrun Returns e Project Eternity e o livro de contos Tales of the Emerald Serpent. Foi, também, a chance de recomeçar para outros, como o autor Bradley P. Beaulieu.
The Winds of Khalakovo é o primeiro livro de uma trilogia de fantasia que felizmente foge do padrão. É, sim, uma história épica de heroísmo, mas uma inspirada na cultura da rússia czarista misturada a uma versão mística árabe. Tem um quê de steampunk, mas troca o vapor pela energia elemental.
Resumindo o cenário: as ilhas de Anuskaya forma o Grande Ducado, onde famílias nobres controlam o comércio através do uso de navios voadores movidos por nômades capazes de controlar os elementos. Rotas comerciais são formadas linhas ley, mantidas pelas matriarcas de cada uma das famílias nobres. Mas existe uma tensão não só entre as famílias nobres como entre eles e os antigos nativos do arquipélago, os Aramahn.
Esse livro, assim como sua continuação, foram publicados pela Night Shade Books em 2011 e 2012, e o foco da campanha de financiamento coletivo foi para a publicação do terceiro. Mas, se ele tinha editora, porque ir ao Kickstarter?
Vou resumir a questão aqui para quem nunca ouviu falar da Night Shade. Ela é uma editora pequena coordenada por um casal que adora ficção fantástica. Publicaram e republicaram muitos livros excelentes ao longo de sua história, mas a partir de 2012 começou a enfrentar problemas financeiros. Existem diversos artigos e posts sobre o assunto pela internet, cada um dando seu ponto de vista sobre o que aconteceu. O que parece ser o mais acreditado é que o casal responsável tinha muita vontade de publicar, mas não tinha o tino comercial necessário. O problema levou à necessidade da editora de renegociar vários contratos e ao atraso no pagamento dos royalties de vários autores. No caso do Bradley, o terceiro livro da trilogia seria adiado por muito tempo. Após uma negociação com a Night Shades, ele recuperou os direitos do livro e buscou o financiamento coletivo para garantir que o livro sairia em 2013.
O financiamento foi mais do que um sucesso: obteve o dobro do pedido. Ao meu ponto de vista consegui uma barganha. Adquiri os três livros da trilogia e mais dois livros de contos (todos em ebook) por $15.
O livro segue três personagens: Nikandr, filho mais novo do duque de Khalakovo, destemido capitão de um navio voador; Rehada, uma Aramahn capaz de controlar elementos do fogo, amante de Nikandr; e Atiana, filha do duque de Vostroma, usada a contra gosto como peão no jogo político dos ducados.
Rehada é amante de Nikandr, que está prometivo a se casar com Atiana por questões políticas. Logicamente existe muito mais por trás desse relacionamento. Uma praga de origem desconhecida vêm surgindo pelas ilhas, e Nikandr busca uma cura para salvar sua irmã. Um movimento renegado surge entre os nômade. Um golpe de estado se arranja entre os nobres. E um jovem autista que parece ter muito mais poder do que qualquer outro Aramahn pode ser a chave de tudo isso.
O livro usa muitos termos originais ou inspirados em russo e árabe, como o nome das tropas da realeza e o nome dos seres elementais. Falando nesses seres, eles aparecem bastante pelo livro, e você acaba precisando memorizar um termo ou outro para lembrar quem é o elemental do fogo, qual é o da água, etc.
Enquanto a ideia dos elementais usados para manipular navios voadores não é exatamente novidade, na história mistura-se outro elemento mágico, típico dos nobres, que em muito remete ao Minority Report. As matriarcas das famílias passam longas horas imersas em água gelada, o que as permite sair do corpo. Nessa forma podem ver e ouvir o que acontecem por toda a parte como fantasmas, ou possuir corvos que usam para se comunicar com pessoas do mundo físico. São, ainda, responsáveis por manter as linhas ley, que funcionam como uma espécie de correnteza entre as ilhas do arquipélago.
O que começa como uma história de romance ganha vários níveis de complexidade quando começam a acontecer ataques terroristas, um assassinato na corte e o surgimento supostamente expontâneo de elementais poderosíssimos. Na medida em que a história se desenrola, os personagens começam a ganhar mais força, especialmente a princesa Atiana, que começa como um personagem empurrado de um lado para o outro pelos desejos do pai e do irmão mais velho. Em certo ponto a história ganha um tom mais místico, um tanto que no sentido de “o escolhido,” o que para mim pelo menos tirou um pouco do tesão, sim como aconteceu lendo The Hundred Thousand Kingdoms da N.K.Jemisin.
Li The Winds of Khalakovo no iPad (e vez ou outra no iPhone), o que eu acho que pesou um pouco na leitura. Acabei levando bastante tempo para terminar de ler, especialmente da metade para frente. Isso veio mais ou menos no mesmo tempo em que eu perdi um pouco do tesão pela história (apesar de ter gostado do cenário). Acabei tendo que me forçar a continuar a ler. Mais pelo final do livro eu senti que ele ganhou mais força, mas não tanto quanto tinha no começo.
Isso tudo pode ter sido reflexo da forma de leitura, pois foi o primeiro livro (não-conto) que li inteiramente no iPad (que é um tanto disputado aqui em casa). Ler no iPhone também não ajudou.
De qualquer forma, Winds of Khalakovo tem um cenário novo e que vale a leitura por ele. A história em si não me atraiu tanto. No meu caso, de ter comprado o livro por uma barganha, valeu com certeza. Não sei se sentiria a mesma coisa se tivesse pago R$20+ por ele.
Links:
Resenha: The Hundred Thousand Kingdoms
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