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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Universos Multimídia

No início da semana postei um texto sobre romances baseados em jogos que rendeu discussão aqui e na lista de e-mail do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). A maioria pareceu ser da visão que romance tie-in (seja de jogo ou filme) tem papel exclusivamente de agradar a quem já é fã do produto original. Ou seja, é só mais uma forma de ganhar dinheiro diretamente.

Mas a discussão levantou algumas propriedades intelectuais bem específicas como Star Trek, Star Wars e, como eu mesmo mencionei, Battletech. No caso dessas três PIs o buraco é bem mais embaixo. Com o tempo deixou-se de ter um produto original na medida em que os outros produtos ganharam vida própria. Ok, você pode dizer que Star Wars ‘de verdade’ são os três filmes originais, Star Trek é a série original e Battletech é o jogo de tabuleiro, mas não existem diversos fãs que conhecem esses universos através de outros produtos que vieram depois?


Minha filha é fã de Star Wars, mas ela só viu os três filmes originais anos passado. Ela já assistia ao desenho da Guerra dos Clones na TV e já conhecia meus RPGs. Lembro de uma vez na casa do meu primo mais novo, quando ele tinha lá seus 11 anos, quando eu joguei Rogue Squadron e Shadows of the Empire no Nintendo 64 dele. Quando eu perguntei se ele conhecia os filmes, a resposta? “Tem filme?”

O mesmo vale para os outros. Há quem adore os novos filmes de Star Trek ou que goste de uma série ou outra. Battletech? Quem aqui já jogou os jogos de computador Mechwarrior? De vocês, quantos já jogaram o jogo de tabuleiro? Ou o RPG? Ou leu os livros? Viu o desenho animado? Aposto que você nem sabia que existia um desenho animado.

Aí estamos onde eu queria chegar: a propriedade intelectual multimídia. Raramente ela é criada com esse intuito. Ela existe a partir de alguma coisa que faz sucesso e, graças a uma ou mais mentes brilhantes, se expande e se torna muito mais do que sua origem. Em certos pontos, os produtos baseados no original ganham tanta vida que se tornam produtos independentes por conta própria, com seus próprios fãs. O gênio é aquele cara que consegue fazer com que todas essas mídias se comuniquem de forma harmoniosa.

Na discussão César Silva, co-autor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, mencionou que muitos fãs de ficção científica culpam os romances inspirados em Star Trek, em grande parte considerados de má qualidade, como a razão pela decadência da publicação desse gênero no Brasil nos anos 90. Eu mesmo mencionei o caso Boba Fett, de Star Wars: existem pelo menos três origens diferentes para esse personagem nos livros e quadrinhos, todas sumariamente ignoradas na nova trilogia de filmes.

O caso aqui parece se encaixar no mesmo problema da qualidade da maioria dos romances tie-in: presa-se o lucro pela produção de baixo custo primeiro, e não a qualidade como produtos individuais. Ou seja, ao invés de se adquirir novos consumidores, faz os consumidores anteriores gastarem mais.

Vou fazer dois paralelos aqui na indústria dos jogos.

Nos anos 90, a TSR, então publicadora do RPG Dungeons & Dragons, considerado o mais importante do gênero, faliu. O motivo principal apontado por quem trabalhava lá na época: falta de foco. A empresa tinha um produto principal, o sistema de RPG, mas tinha mais de uma dúzia de mundos, cada um com seus produtos exclusivos. Apesar da estratégia acabar por atrair mais jogadores interessados em temáticas específicas, o custo e a posterior fragmentação dos consumidores acabou por quebrar as pernas da empresa, que acabou comprada pela Wizards of the Coast e hoje pertence à Hasbro.

Muito mais recentemente, coisa de dois anos atrás, os estúdios de jogos sociais como a Zynga passaram por um problema semelhante. Tinham diversos jogos no ar, mas, quando criava novos jogos, os anteriores eram abandonados. O que aconteceu é que não existia uma aquisição considerável de novos jogadores, mas sim uma reciclagem. Jogadores migravam entre jogos da Zynga, de forma que a estratégia se tornava insustentável. Abandonar jogos antigos em troca dos novos? Mas fazer isso não alienaria uma base relativamente grande de jogadores dos jogos antigos?

O risco existe e há quem diga que Star Wars passou por ele durante os anos 90 e 2000, com o lançamento de produtos de baixa qualidade. A estratégia, lógico, mudou agora que a Disney está envolvida. Ah, Disney, claro. Mais um caso de sucesso no que se diz respeito à universos multimídia. Se formos levar em consideração como a Marvel tem se portado desde a aquisição pela Disney, podemos (queremos!) acreditar que o mesmo acontecerá com Star Wars.


Mas criar uma propriedade intelectual multimídia não é fácil, especialmente não na sua origem. Voltamos ao problema do foco. Será que a PI pode ser o produto original desde o começo? Deve? Minha experiência até o momento me diz que não. Não é só o caso do risco da fragmentação do cliente, como foi com a TSR/Dungeons & Dragons. É o problema da falta de foco. Quando não se tem um produto palpável como mãe todos eles se tornam dependentes de um conceito imaterial, e, daí para o caos é um passo.

Faz sentido ou não? Ou será que a simples premissa deste texto está errada e é tudo produto tie-in como no artigo anterior? O que vocês me dizem?

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Acho que o sucesso da PI não depende diretamente do produto mãe e sim da qualidade do material criado em torno dela. Claro que sem um produto principal interessante que instigue o consumidor a querer saber mais não da pra fazer nada, mas não adianta deixar o consumidor louco pra saber mais e quando entregar ser uma porcaria. E a qualidade dos produtos filhos é que pode levar quem não conhece o produto principal a procura-lo. Não da pra criar nada assim sem levar em conta que pelo menos a princípio será um produto de nicho. Mesmo que seja criado para atrair novos fãs, não se pode esquecer que os antigos vão atras do produto e se ele não for minimamente bom o produto vai sofrer com o marketing negativo.

    Porém as vezes para conquistar novos fãs, ou renovar a base de fãs, como com cavaleiros do zodíaco omega, tem que se arriscar e jogar coisas que a principio não fazem o menor sentido no contexto principal mas tem que se ter na mão uma boa desculpa para acalmar os fãs originais.

    Star Wars Clone Wars foi feito pensando diretamente em conquistar e vender para novos fãs, ou para facilitar que os fãs antigos façam seus filhos gostarem do mesmo que eles gostam.


    É algo complicado de generalizar, mas basicamente tudo está ligado à qualidade do material. Só que para criar um material de qualidade que possa trazer um novo fã para o produto principal não compensa em questão do custo, sendo mais fácil fazer algo direto pro nicho e esperar que esse fã de longa data faça o boca a boca. Algo como, criar um livro que vai servir tanto para encantar e fidelizar ainda mais o já fã e dar a esse fã "armas" que ele pode usar para conquistar novos adeptos.

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