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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Construindo Mundos: Na prática, parte 3

Essa deve ter sido a semana mais longa de todo o universo, porque tem 3 meses desde que eu disse “Semana que vem falo sobre a história de Shadow Heroes”. Mas juro que tem motivo!

Por alguma razão mística os estúdios de jogos de todo o mundo resolvem contratar freelancers ao mesmo tempo entre Outubro e Dezembro. Sério. Estava tudo de boa com minha ‘folga’ planejada, trabalhando no meu próximo livro e próximo jogo, quando surgiram não um, nem dois, mais cinco freelas de jogos.

Só para ilustrar a coisa, de Outubro até hoje trabalhei ou estou trabalhando em:
  • Manual técnico de um adventure educacional Mistério dos Sonhos;
  • 64 levels para um outro adventure educacional, Projeto Órion;
  • uma aventura (mais 2 à caminho) para o RPG Heroes' Tears, dos EUA;
  • um concept para um jogo de plataforma para a Palestina;
  • um outline de história para um jogo de estratégia dos EUA (e level design começando semana que vem).

Claro que não é só isso, porque eu sou doente mental. Escrevi vários contos e, surpresa, 5 deles vão ser publicados esse ano (2015):
  • Um escravo no Rio de 1810 procura ajuda ‘mística’ para resolver seus problemas, na antologia O outro lado da cidade, da Editora Aquário;
  • Uma pesquisadora vai a uma ilha habitada por homens-lagartos primitivos e descobre algo que pode destruir a sociedade local, na antologia Dinossauros da Editora Draco;
  • Uma capitã pirata captura uma máquina misteriosa, na antologia Piratas da Editora Cata-vento;
  • Um caçador de recompensas é enviado para resgatar um fanático por ficção científica, na revista Trasgo;
  • Uma guarda-costas é contratada para escoltar um fã de cultura japonesa e a armadura milenar que ele comprou de volta a Terra, na antologia Samurais x Ninjas da Editora Draco.

Ou seja, coisa pra cacete.

Mas, tá! Chega de falar de mim! Vocês estão aqui para saber sobre a criação de histórias em um jogo. Pois bem, recapitulando:
  • Eu já tinha montado a base do Universo Ficcional de Shadow Heroes;
  • Já tinha definido por alto quais as nações envolvidas;
  • Agora precisava definir qual a história do primeiro jogo.

De certa forma é parecido com o processo de se criar uma campanha de um RPG baseado em um mundo que já existe, ou mesmo uma fanfic de um livro ou filme que você adora. Você tem uma base para trabalhar e precisa desenvolver uma história que, apesar de ter certa liberdade, precisa seguir certas premissas. Claro que, sendo essa a primeira história, mudanças são possíveis.

O primeiro passo, então, foi semelhante ao da criação do mundo. Escrevi 3 propostas, cada uma com mais ou menos meia página, cada uma com focos e estilos bem diferentes.
  • Seguindo a premissa do Magia vs. Tecnologia, o jogador seria um oficial da República enfrentando terrorismo mágico. A própria mão pesada da República levaria a uma escalada do conflito e o surgimento de um vilão;
  • Em outra proposta o jogador era um mercenário contratado pela cidade-estado de Aylmar para proteger a região de incursões dos outros reinos. No meio do caminho algum cientista acidentalmente liberta algo preso sob as ruínas da antiga capital, o que ameaça todo o mundo;
  • Por último, o jogador seria um recém-promovido capitão pirata de rios de Everfall querendo provar-se montando seu próprio exército e avançado rio a cima para recuperar uma série de artefatos roubados.

Coloquei as 3 propostas (que incluia spoilers sobre o final e etc, que eu obviamente não incluí aqui) na nossa Wiki de desenvolvimento. A equipe foi fazendo comentários enquanto eu escrevia. Logo de cara a primeira história foi descartada como genérica e comum demais. Não a eliminei. Observei os comentários e, depois de terminar a 3a proposta, voltei a primeira. Fiz o mesmo com as outras duas.

Esse processo é importante, de feedback e reescrita. Não abandonei a ideia porque eu sabia que, sendo ela a primeira, estava mais crua que as demais. A verdade é que, ao trabalhar em um novo mundo (seja ela novo mesmo ou novo só para você), é natural que você só ‘pegue no tranco’ depois de algumas tentativas. Quando você chegar na 3a proposta vai ter uma noção melhor do que pode (e deve) explorar e como. Você pega mais intimidade com o mundo.

Isso não vale só para video games. Livro, conto, aventura de RPG... Saiba que sua primeira versão não é a última versão. Você aprende (e desenvolve) muito enquanto escreve. Por isso o melhor conselho para se aprender a escrever é escrever.

Deu resultado? A primeira história, aquela que foi rejeitada logo de cara, acabou ganhando a empatia da equipe. Shadow Heroes tinha sua primeira história: Vengeance in Flames.

Uma vez a estrutura da história estava definida, era preciso recheá-la. Eu tinha uma boa ideia do número de fases que a campanha single-player teria (em torno de 20) e o fluxo de jogo de cada fase. Quebrei a história em 3 etapas, usando o esquema já batido de Hollywood dos 3 Atos:
  • No primeiro Ato (em torno de 5 fases) estabelecemos o mundo e a posição do jogador. Ele ganha uma vitória aparente;
  • No segundo Ato (12 fases, mais ou menos) surge um novo perigo. O status quo muda, as coisas saem do controle. O jogador precisa recuar, precisa procurar um chão antes de descobrir como lidar com a nova situação. O ato termina com uma revelação;
  • O último Ato (umas 3 fases) são o clímax da história. O inimigo nos portões. O jogador precisa tomar decisões arriscadas. Tudo parece perdido. Por fim, vitória.
Uma vez definido os atos, descemos para as fases. Uma frase por fase serviria como base para um documento próprio por fase. E esse trabalho todo vinha com suas surpresas. A partir do ponto que algo não estava definido no mundo, mas era essencial ao enredo, ela precisava se desenvolvida. Os textos iniciais sobre as nações envolvidas no enredo cresceram 3 vezes. Textos adicionais surgiram. Surgiu um glossário interno falando sobre elementos importantes do mundo e um codex de objetos mágicos, lugares e eventos importantes. Tudo, claro, com foco no enredo. O mundo era muito maior, mas não existia motivo para trabalhar todo ele. Foco é a palavra chave aqui.

Os diálogos surgiram no momento de detalhar as fases. Personagens, antes arquétipos bem simples (o jovem que quer provar que é bom, o veterano rabugento com um passado oculto, a jovem cientista que se acha superior) ganharam dimensões maiores. Surgem conflitos entre os personagens, conflitos esses que se amarram às fases, dão a elas mais significado.

Não tínhamos mais só uma ideia. Tínhamos um mundo. Tínhamos uma história.

Semana que vem (juro) falarei sobre a Bíblia de Conteúdo, uma das mais importante ferramentas do escritor (e conteudista) de jogos, ficção e, sim, TV. Até.

2 comentários:

  1. Que bom que o motivo do "atraso" foi trabalho e não algo desagradável.

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  2. Pois é! O problema é vir tudo na mesma época. Entre Junho e Setembro foi um marasmo só :P

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